“Se na república das plantas existisse o sufrágio universal, as urtigas desterrariam as rosas e os lírios.”
Jean- Lucien Arréat
Neste brevíssimo período de férias que gozei, tentei esquecer todas as desgraças do mundo e consolar a alma e os sentidos a aldear pela nossa parvónia, a reviver a minha vida aventurosa de caixeiro viajante. Fez-me bem evadir-me por uns dias do lugar a que me prendem amarras indestrutíveis, indo à procura de encontrar um pouco da paz bucólica das nossas terras provincianas.
De quilómetro em quilómetro, a olhar o nosso interior, que tantas vezes me deslumbrou no passado, vejo-me uma vez mais possuído pela revelação de um país rural, estoicamente a conservar e a afirmar a sua singularidade e tradição, mas a apresentar também muitos sinais de transformação: na arquitectura dos edifícios, no traçado de novas artérias, praças, jardins e espaços de lazer, num todo harmonioso, sem desfigurar a fisionomia própria da cidade, vila, aldeia ou região. A borrar a paisagem urbana, apenas a propaganda política, com os cartazes exibindo as fisionomias dos candidatos às autárquicas, cada um a exibir as suas credenciais tentando engodar os eleitores.
No roteiro da viagem, de quando em quando, quilómetros quadrados de extensão paisagística carbonizada, ou transformada num inferno de chamas, que mãos criminosas atearam, felizes pelo rasto de cicatrizes que a sua piromania, ódio ou vingança iria deixar. Enquanto vou galgando quilómetros a subir e a descer serras, montes, encostas e ladeiras, nos olhos vai ficando a majestade de paisagens forradas de verde, de povoações aconchegadas dentro dos seus muros, de uma ermidinha aqui, uma capelinha ali, uma igrejinha acolá, isoladas no meio de solidão e silêncio, à espera de quem vá lá procurar lenitivo para a dor, ou aliviar a alma de pecados.
Uma linda soma de dias e horas felizes, alheado de um mundo real varrido por um vendaval de inquietações, que foi um deslumbramento para os olhos e que ficarão a perdurar na lembrança pela paixão com que foram vividos. Tinha feito promessa a mim mesmo de, pela primeira vez, não votar. Chegada a hora, reconsiderei e fui cumprir o meu dever cívico. Em todos os rostos com que me cruzei, a viverem uma sucessão de decepções, adivinhei um desânimo fatalista, mas ainda assim, a continuarem a iludir-se depois de cada desilusão, acreditando que o seu voto, sabe-se lá, possa ajudar a remar contra a maré…
Como sempre acontece, baralhados por sentimentos e por opções, por desilusões ou por agravos, os votos transmigraram de partido para partido. A confirmar o que já se adivinhava, desta vez o bode expiatório foi o PSD, que por culpa própria caiu nas trevas da desventura.
Sabemos de sobra que a argamassa da sua estrutura já não é o que era. As políticas e o país também não. Povoado de gente jovem com a ambição de dar continuidade à matriz partidária, com uma visão do futuro em que acreditam, causou a maior desesperação em alguns barões do partido, confrontados a terem de tecer armas pelo poder.
Perdida a batalha, em vez de facilitarem o diálogo com quem ganhara legitimidade governativa, pelo contrário criaram um ermo árido assediado por despeitados remordimentos, ódios e vingançazinhas, que irresponsavelmente contribuíram para agora saborearem a derrota.
No meio de tudo isto, não consigo ficar indiferente, quando vejo e ouço proeminentes figuras do partido, a quem este deu a visibilidade de que gozam, a abastardarem-se cheios de si no papel de comentadores televisivos e de cronistas, com discursos fatalmente hostis ao próprio partido e, algumas vezes, em regozijo íntimo, a expelirem uma sanha encarniçada aos colegas no governo, desempenhando maleficamente a função crítica que caberia aos adversários políticos, agindo como mulheres adúlteras a quem se lhes paga o preço das suas infidelidades.
É preciso um toque a rebate, porque são mesmo reles…